Repetimos padrões, somos como ovelhas, uma pula num portão imaginário, todas que vem atrás pulam também.
Família, novela, vizinhos, comercial do jornal, palpites de amigos, sogra e papagaio, um universo de informações assombram nossas decisões. Onde, como, quando, por quê, o quê construir, comprar ou sonhar em ter como lar, como casa, como morada.
Abundam na internet casas premiadas sustentáveis, inteligentes, funcionais, pequenas e que de forma uníssona falam em respeitar o ambiente e o entorno. Palestras TED, profecias, oráculos, coaches, propaganda de carro na patagônia ou no cerrado, unânimes em vender um estilo de vida e uma estética SLOW, harmoniosa e amigável com a natureza.
Casas como esta, podendo variar materiais e formato, mas que tem em comum um extremo respeito ao entorno, a natureza, a paisagem. Esta é projeto da Mapa Arquitetura, na Serra Gaúcha, e que bem se encaixaria em alguma clareiras de algum morro de Garopaba. O conceito de ocupação é o atributo maior. Se gostamos de telhado ou não, se a estrutura seria de madeira ou metálica, se as aberturas serão de alumínio, PVC ou madeira, detalhe... Foi um prazer ouvir a mensagem do arquiteto Luciano Andrades que veio ano passado aqui palestrar no Movimento Expansão, falando exatamente deste tipo de ocupação e estilo de vida.
Se estamos rodeados de mensagens que nos aconselham a diminuir nossa pegada no planeta, a não imobilizar capital e sonhos num único cesto, a ouvir nosso interior, a buscar a felicidade, por que o que mais assistimos é a repetição do modelo conservador, antigo e considerado obsoleto?
Por quê insistimos em construir casas maiores que nossos bolsos, por quê o carro tem que ser membro da família e ter seu quarto, por quê todo e qualquer verde dentro do terreno tem que ser eliminado e um azulejo selar esta lembrança de natureza? Por quê precisamos domar e dominar este ambiente que nos lembra que somos parte disto, que somos animais e integrantes de uma cadeia, de ciclos? Quão inseguros e insensatos somos que não conseguimos sair deste roteiro mórbido e de terror, onde o fim é previsível, que é o tédio e a insatisfação, a ansiedade.
Espero que o zoneamento e as pessoas que detém estas áreas ou as que venham a adquiri-las nos brindem com uma paisagem verde, com uma densidade rarefeita de pequenas e amigáveis casas. E nestas terras produzam algum sustento, honrando o passado agrícola e desenhando um futuro resiliente e sustentável.
Ter uma horta e pomar, evitar perdas e gerar a energia consumida, reciclar e armazenar água não são apenas alguns itens de uma ocupação moderna que nos repreende quanto ao atual estilo de vida. Este viés é justamente o enfoque que tem retardado na adoção destas medidas. O que estamos precisando perceber e entender, desenvolver um olhar, é que estas ações e melhorias na nossa casa, na nossa ocupação, nos libertam. Libertam no sentido físico e, principalmente, no sentido psicológico. Colher um limão e uma cebolinha verde e temperar um prato, pensar o prato a partir destes ingredientes então, não é só uma questão de economia de grana. É nos tornarmos mais potentes, mais independentes, mais resolutivos, mais conectados, mais atentos, mais sujeitos de nosso destino.
Tá bom, 87% de vocês acham que é devaneio, beleza. É mais fácil tirar esta conclusão. Mudar, mais que mudar, virar do avesso ou revolucionar hábitos e atitudes, noções e verdades, dá um cansaço! Só de pensar, logo desisto...
Bueno, desculpas meus amigos nativos pelo exotismo gaudério, estamos sim numa encruzilhada. Daqui 2 ou 3 anos o COVID vira EBOLA, e nós seguiremos na mesma e velha gasta estrada.
Vida ao ar livre, pés descalços, comer com as mãos, no meio da mata, sentindo o cheiro dela, um luxo.
Aproveitemos para, de forma leve e prazerosa, amigável, nos perguntarmos que tipo de vida queremos levar, que casa queremos. Por quê 3 quartos, garagem fechada, colar a casa no vizinho, azulejar o solo, etc...Como fazer uma casa mais amigável e generosa, mais sã e que nos aconchegue... Onde queremos estar a maior parte do tempo, colados no mercado ou próximos da mata... O quê nos completa, nos satisfaz, nos faz mais felizes, nos fortalece e ao final, nos realizamos ao deixar um legado, um novo caminho trilhado e aberto, facilitando o andar dos que nos seguem...
Temos os mais belos morros e encostas, repletos de cachoeiras, matas e vistas únicas. A cidade chegou ali. E as ocupações que vejo são as mesmas da cidade, aconselhadas pelo papagaio do início do texto, lembram? Rogo aos céus e ao tempo de reclusão que permite que pensemos na vida e nas cagadas que fazemos nela, que uma luz alumie nossas mentes. E nada de filantropia ou messianismo, sacrifício material ou alguma racionalização do gênero. Abrir mão da casa de ocupação egoísta e ultrapassada por uma vida mais sã, mais apropriada, mais feliz.
Nas encostas de morro, em pequenas clareiras podemos encaixar de forma amigável as nossas casas, utilizando técnicas e materiais apropriados. O arrimo de pedra de roça sem rejunte aparente traz os ares dos tempos dos muros de taipa. E aproveita um material que aflora na superfície do local da futura casa. Mas o requinte é o conteúdo, é utilizar a sabedoria e a cultura local, que deixa na nossa ocupação um significado e valor maiores. Nas frestas das pedras, ajudando a natureza, Seu Nelinho "planta"umas mudas de epífitas.
No meio do mato, com todo o conforto, online, privativo, zelando pela paisagem, sendo sujeito e não objeto. Dá uma parada no call de trabalho e coloca a água para ferver, água captada no teto verde e filtrada e aquecida usando a energia do sol. Vai até a horta e colhe umas folhas de erva cidreira, no caminho uma espiada na vista e na saracura que ronda atrevida por ali. Volta para o home office com um chá e com o corpo e alma revigorados, com uma potência que a vida na cidade nos tirou.
Texto Kiko Simch - Engenheiro Agronomo Paisagista @kikosimch
Fotos - Divulgação